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CARAS Fashion: Kenzo e a moda oriental

O renomado estilista Kenzo Takada já foi faxineiro e até garçom antes de desfilar suas criações nas maiores semanas de moda do mundo. Confira a entrevista exclusiva na íntegra!

Redação Publicado em 08/11/2010, às 16h15 - Atualizado às 17h49

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O estilista Kenzo Takada conseguiu unir a moda do oriente e do ocidente em suas criações. - Marco Pinto
O estilista Kenzo Takada conseguiu unir a moda do oriente e do ocidente em suas criações. - Marco Pinto
O estilista que conseguiu unir o oriente e o ocidente com suas criações fantásticas, teve um início de carreira bem difícil. Vindo de uma família tradicional da cidade de Himeji, no Japão, Kenzo Takada começou a se interessar por moda lendo as revistas de corte e costura de suas irmãs. Confira abaixo a entrevista completa para o CARAS Fashion: - Como foi a sua infância no Japão e como a moda entrou na sua vida? - Minha infância teve muitas dificuldades, principalmente por causa da crise da II Guerra Mundial e dos bombardeios americanos. As crianças viviam reclusas em suas casas estudando ou lendo. Mas com o fim da guerra, seguindo a tradição japonesa de se preparar para o casamento, minhas duas irmãs mais velhas estudaram corte e costura. Graças a elas, tive acesso às publicações de moda Soen e Himawari, que me mostraram um mundo de muito glamour e beleza. Ainda criança, ao contrário dos outros garotos da minha idade que jogavam baseball, comecei a desenhar observando as ilustrações. Também com as minhas irmãs, frequentei o teatro Takarazuka e pude ver as indumentárias teatrais. Desde então, fui tomando interesse pelo universo fashion, mas na época não havia nenhum colégio de moda que permitisse estudantes homens. Fui, então, estudar língua estrangeira na Kobe University. Mas cerca de um ano depois, soube que a Bunka Fashion College, de Tokyo, estava aceitando homens e tentei convencer meus pais a me deixarem ir. Como não obtive a permissão deles, viajei para Tokyo com algumas economias e, por um tempo, fiquei hospedado na casa de um amigo e trabalhei como garçom e faxineiro. Até que minha mãe me autorizou e ingressei na Bunka. Tive como colegas Mitsuhiro Matsuda, Junko Koshino e Kow Kaneko e, ainda hoje, mantemos fortes laços de amizade. - O oriente sempre despertou a curiosidade do ocidente. Isso de alguma maneira mudou com a globalização? É possível falar em tendências locais ou o que é belo é universal? - Creio que ocidentais sempre tiveram muita curiosidade em relação à cultura e aos costumes orientais. Com a globalização, se tornou mais fácil compreender essas diferenças e muitos acabam as adotando em seus estilos de vida. A interferência dessa integração das economias e das sociedades é inevitável na moda e por isso é preciso manter a identidade. Com a facilidade de comunicação a tendência se torna universal e o diferencial é a adaptação para atender um público específico sem agredir suas tradições locais. - Onde o senhor busca inspiração para as suas criações? - Ela está muito ligada aos momentos do dia a dia, nos lugares, nas pessoas, na músicas... - Atualmente, qual é o papel de um estilista? E qual é o papel de um artista ou designer, existem diferenças? - Não vejo diferenças entre estilista e designer. Todos são artistas. O que muda é o campo de atuação: designer de moda, carro, casa, cenógrafo, artista gráfico. - Como era a moda japonesa? O senhor teve algum profissional ou personalidade como referência em sua carreira? - A moda japonesa, desde seus primórdios, sempre foi Kimono. Mas a moda ocidental entrou com força no Japão pós II Guerra Mundial. Uma pessoa que me influenciou bastante foi a professora Chie Koike, da Bunka Fashion College. Foi ela, por exemplo, que me incentivou a escolher a carreira de estilista de moda feminina. - Por que o senhor decidiu mudar-se para Paris na década de 60? Como foi essa mudança? Afinal, o senhor não mudou apenas de cidade, mas de país e cultura. - Minha mudança também teve uma boa influência da professora Chie Koike, que estudou moda em Paris logo após a guerra e foi contemporânea do Yves Saint Laurent. Fomos Kaneko, Matsuda e eu com a ideia de permanecer por lá por seis meses. A viagem de navio também foi sugestão de Koike e, durante a viagem, entendemos o que ela queria nos mostrar. A cada porto, aprendíamos muito sobre as tradições locais. Conhecemos Hong Kong, onde, na época, usavam-se roupas tradicionais chinesas, e Singapura, com cultura e costumes malaios e ainda muito diferente do que é hoje. Essa aventura abriu nossos horizontes e ficou firmemente gravada nas nossas mentes. - O que mais chamou a sua atenção na Europa? Como foi a sua adaptação? - Chegamos exatamente no réveillon de 1965 em Marselle e de lá seguimos para Paris de trem. Durante os primeiros três meses, a depressão me dominou por conta do frio, do aspecto cinzento do inverno e da saudade do Japão e da família. Eu, que nunca gostei de escrever, comecei a escrever cartas semanalmente para meus pais e irmãos e experimentei uma alegria imensa ao receber respostas após quase 20 dias de espera. Com a chegada da primavera, tudo se tornou mais alegre e iniciei um curso de conversação na Aliança Francesa. Tomei gosto pela cidade e pelas pessoas e o plano original de ficar em Paris por meio ano se estendeu para sempre. - Qual a grande diferença de trabalhar no Japão e na Europa? Você tinha algum contato em Paris? Como era a receptividade a um estrangeiro? - A grande adaptação é mesmo a língua. Como não tive nenhum contato em Paris, quando meus amigos voltaram para o Japão, fui morar num quarto muito pequeno pago com as minhas economias. Após algum tempo, precisei do apoio dos meus pais e eles me mandaram dinheiro três vezes. Mas com a esperança de me ter de volta, minha mãe cortou totalmente essa ajuda depois. Naquele momento resolvi me testar e comecei a desenhar. Desenhei 10 modelos e levei a um designer. Para minha surpresa, a esposa dele comprou cinco desenhos por U$ 5,00 cada e me orientou a procurar os editores de moda da Revista Elle. Desenhei mais, apresentei a eles e foram escolhidos 20 desenhos por U$ 12,00 cada. Com os meus modelos publicados na revista, logo fui contratado para atelier de prêt-à-porter. Consegui juntar algum dinheiro e, em 1970, abri uma boutique com a marca Kenzo. Logo após a inauguração, tive uma ótima resposta do mercado. Em dois meses, a Elle publicou uma peça minha na capa e muitas outras revistas de renome geraram mídia espontânea. Assim, em um curto espaço de tempo, conquistei Paris e posicionei a minha marca para mercado internacional. - A cultura e a filosofia orientais são muito distintas das ocidentais. De que maneira pensar diferente te permitiu criar coisas diferentes também? Por que muitos especialistas afirmam que o senhor fez uma grande contribuição estilística ao Ocidente ao reconstruir as roupas ocidentais com um toque japonês ou oriental. O que isso significa na prática? - A diferença cultural me fez enxergar que eu, como oriental, não tinha como criar uma moda ocidental. Por isso, criei uma moda oriental com estilo ocidental, introduzindo cores muito japonesas, estampas de flores com toque japonês e formas que lembram o quimono. Mas tudo totalmente adaptado ao estilo ocidental. - Por que o senhor vendeu a marca Kenzo para a LVMH? Como foi esse processo? - A venda da marca Kenzo aconteceu em decorrência da grande perda dos meus dois parceiros e sócios de trabalho que construíram a empresa comigo. A pessoa que cuidava dos setores comercial e de marketing adoeceu e, em pouco tempo, faleceu. Apenas um ano e meio depois, o responsável pela parte administrativa e financeira sofreu aneurisma cerebral e ficou impossibilitado de trabalhar. Eu, como criador, não entendia as duas áreas e não tinha como cuidar delas. Os advogados, então, sugeriram que eu vendesse a marca e continuasse como executivo de criação da LVMH. Na época, achei a solução muito sensata e aceitei. Durante um período ainda trabalhei lá, mas por questões ideológicas, achei por bem me retirar e ir em busca de algo que me satisfizesse. - O que motivou o senhor a dar um novo rumo à sua carreira, deixando as passarelas em segundo plano e se dedicando à carreira de designer e pintor? - Minha intenção sempre foi de, ao completar 60 anos, me aposentar e deixar de lado os trabalhos de moda para descansar, refletir sobre a vida, pensar em novos desafios e ter momentos de descanso e lazer. Mas ao sair por completo do mundo fashion, com tempo, percebi a importância do trabalho de criação que há muito tempo fazia parte da minha vida. - De que maneira sua carreira na moda influencia o seu trabalho atualmente? - Diria que tudo que fiz na minha carreira como designer influencia de uma maneira muito significativa os meus trabalhos atuais, como as pinturas, a decoração de interiores de hotéis e o desenvolvimento de jogos de porcelanas, cristais, etc.. - Depois de criar roupas e objetos para casa e assinar inúmeros perfumes masculinos e femininos, o que os seus clientes e fãs podem esperar de novidades? - Atuo como artista plástico, designer de interiores e tenho muitos projetos para o próximo ano. Quem sabe algo interessante que comece no Brasil e se espalhe pelo mundo. Tenho vários sonhos. - Qual a maior lição que o senhor aprendeu e gostaria que outras pessoas aprendessem? - As dificuldades da vida são o grande aprendizado para conquistar seus sonhos e objetivos. Buscar o melhor para o próximo e tentar sempre se colocar no lugar deles. Procuro praticar os valores que norteiam minha vida: ética, responsabilidade e comprometimento.